domingo, 26 de dezembro de 2010

Transformando Uva em Vinho

TRANSFORMANDO UVA EM VINHO

O processo de transformação da uva em vinho é composto de várias etapas, todas determinantes para a definição da qualidade do vinho. Como veremos, a quantidade de variáveis é muito grande, tornando o trabalho do enólogo complexo. Cada uma das principais etapas é descrita, sucintamente, a seguir:

Colheita: a primeira etapa da produção de vinhos é a colheita, que normalmente ocorre no outono, setembro/outubro no hemisfério norte e março/abril no hemisfério sul. De fato, o momento típico da colheita depende da uva e da região em que se localiza a videira e do tipo de vinho que ser quer produzir, além de ser fortemente influenciado por fatores climáticos.

A definição do momento exato da colheita é crítica para a produção de um bom vinho, pois é preciso encontrar o equilíbrio entre vários aspectos importantes para a qualidade: como quantidade de açúcar, acidez, maciez dos taninos, componentes de cor, etc.

Para os melhores vinhos a colheita é sempre manual, com as uvas transportadas em pequenas caixas, de modo que a uva chegue à vinícola a mais fresca e intacta possível.

Seleção: ao chegar à vinícola as uvas passam por uma mesa de seleção manual, na qual são retirados eventuais detritos e as uvas com qualidade inapropriadas (uvas não maduras, estragadas, com fungos, etc.).

Desengaço e Esmagamento: após a seleção, as uvas passam pelos processos de desengaço, que consiste de separar a uva do cacho, e de leve esmagamento, que deve ser suficiente para romper a casca, mas não deve afetar a semente, pois isto traria amargor ao vinho.

Estes processos, feitos por máquinas especializadas, ocorrem na maioria dos vinhos, mas há exceções. Há situações em que se preserva parte do engaço para dar mais estrutura ao vinho e há situações em que as uvas não passam pelo esmagamento, sendo levadas inteiras para a fermentação.

Resfriamento: para os vinhos brancos, às vezes é preciso passar as uvas por um processo de resfriamento, para evitar o início prematuro do processo de fermentação.

Prensagem: este processo ocorre antes da fermentação nos vinhos brancos e após a fermentação nos tintos. O processo busca extrair o suco da uva para os vinhos brancos, uma vez que a fermentação ainda não ocorreu, e separar o vinho do restante da uva para os vinhos tintos, uma vez que a fermentação já ocorreu.

Nos tintos, o vinho obtido com a prensagem é denominado de vinho de prensa e possui elevados teores de cor e taninos, nem sempre sendo utilizado na composição final, ou sendo utilizado apenas parcialmente.

De qualquer forma, a prensagem deve ser leve, de modo a evitar o rompimento das sementes, que resultaria em amargor no produto final.

Decantação: este é um processo presente apenas nos brancos. Neste processo busca-se separar o suco da uva do mosto (suco + cascas + sementes + outros fragmentos). O processo pode ocorrer por decantação ou por centrifugação, sendo este último considerado mais agressivo.

Fermentação: é o processo no qual a ação de leveduras transforma o açúcar em álcool, calor e dióxido de carbono.

Neste processo as leveduras produzem componentes químicos que contribuem para a formação dos aromas do vinho.

As leveduras podem ser naturais, presentes na própria uva, ou cultivadas. O uso de leveduras naturais resulta, normalmente, em vinhos com maior complexidade aromática, mas torna o processo menos controlado.

As leveduras morrem quando o vinho atinge um teor alcoólico de 16º, encerrando o processo de fermentação. Logo, se a quantidade de açúcar presente na uva for muito grande, o processo de fermentação irá se encerrar antes que todo açúcar tenha se transformado em álcool e teremos como resultado um vinho com açúcar residual e, portanto, naturalmente doce.

As leveduras também morrem se a temperatura ficar muito alta, normalmente acima de 33º. Como a fermentação gera calor, muitas vezes é necessário utilizar mecanismos de resfriamento para se manter a temperatura de fermentação no nível desejado. A temperatura considerada ideal para a fermentação dos tintos é entre 24 e 32º (28 e 32º para os vinhos com maior estrutura). Para os brancos, a temperatura ideal de fermentação é entre 10 e 18º.

A fermentação pode se dar em tonéis de madeira (em alguns casos, pequenos barris de madeira), tanques de concreto revestido ou tanques de aço inoxidável. O uso de tanques de aço tem se tornado cada vez mais comum, pois facilita o controle de temperatura e a limpeza. Para os vinhos tintos top, ainda há muito uso de fermentação em madeira. Para os brancos, o mais comum é a fermentação em inox, com exceção para alguns vinhos feitos da uva Chardonnay, nos quais muitas vezes o enólogo opta pela fermentação em barris de madeira para aumentar a complexidade aromática dos vinhos.

Como os componentes de cor da uva estão na casca, a fermentação dos tintos se dá com a casca (a fermentação se dá a partir do mosto), enquanto a fermentação dos brancos se dá sem a casca, apenas com o suco.

Para os vinhos brancos, alguns produtores mantêm o vinho em contado com as borras (leveduras mortas) por algum tempo, o que contribui para aumentar os aromas e o frescor do vinho.

Maceração: nos tintos, este é um importante processo no qual se extrai os taninos, componentes de cor, antocianos e outros elementos da casca da uva. Durante o processo de fermentação as polpas e cascas da uva flutuam, formando um “chapéu” no topo do líquido. Este processo diminui a área de contato do líquido com a casca, tornando necessária a remontagem do mosto com o objetivo de aumentar esta área.

Há várias formas para se fazer este processo, sendo uma técnica comum o bombeamento do líquido do fundo do recipiente de fermentação para o topo do recipiente e dispersão do líquido sobre o chapéu.

Deve-se lembrar que a cor do vinho é fornecida pela casca, bem como a maior parte da sua estrutura, como os taninos. Logo, o tempo e a forma de contato do líquido com a casca são fatores chaves para a definição do vinho que se quer produzir.

A maceração pode ser: prolongada, na qual o contato do vinho com a casca se prolonga após o término do processo de fermentação, tipicamente por poucas dezenas de dias; média, na qual a separação do vinho do mosto é feita logo após o término do processo de fermentação; e curta, na qual a separação ocorre antes do término da fermentação, resultando em vinhos mais leves e macios (com menos taninos).

Fermentação Malolática: presente mais frequentemente nos tintos que nos brancos, este é o processo no qual o ácido málico do vinho é transformado, pela ação de bactérias, em ácido lático e CO2.

Este processo reduz o caráter frutado e aumenta a complexidade aromática do vinho, além de resultar em menor acidez percebida pelo degustador, uma vez que o ácido lático é mais macio que o málico.

Exatamente por resultar na diminuição da acidez, muitas vezes o processo é evitado nos vinhos brancos, nos quais se busca um caráter mais frutado e de frescor (que é resultado da acidez elevada).

Clarificação: utilizada para retirar restos de leveduras e outros sedimentos do vinho.

Uma forma comum de se fazer clarificação é a trasfega, que consiste em deixar que os sedimentos se depositem naturalmente no fundo do recipiente e, após isso, transferir o vinho para outro recipiente.

Outra abordagem, às vezes complementar a trasfega, é o uso de substâncias clarificantes, como clara de ovo, na qual se joga clara de ovo batida sobre o vinho, de modo que a mesma, ao se precipitar em direção ao fundo do recipiente, leve consigo os sedimentos em suspensão indesejados.

Finalmente, pode-se optar por filtrar o vinho, de modo a extrair eventuais sedimentos residuais. A filtragem, se muito fina, pode retirar componentes de aroma do vinho, resultando em queda de qualidade.

O uso de filtragem tem sido cada vez menos comum para os grandes vinhos, que se limitam a utilizar a trasfega e substâncias clarificantes ou apenas trasfega. Nestes vinhos, é comum haver depósito de sedimentos no fundo da garrafa com o passar do tempo, não sendo isto considerado um defeito.

Outra possibilidade, considerada agressiva para os melhores vinhos, é utilizar centrifugação para a clarificação do vinho.

Assemblage: Os vinhos cortados são feitos com vários tipos de uvas; por exemplo, um Grand Cru de Bordeaux é tipicamente uma composição de Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot. O processo normal é produzir vinhos distintos com as diferentes uvas e só então fazer a mistura para se obter o vinho final que se deseja. Esta mistura de vinhos distintos para se compor o vinho final é o processo de assemblage.

Embora este processo seja mandatório apenas nos vinhos cortados, ele tem se tornado mais frequente em vinhos varietais. É cada vez mais comum, nas melhores vinícolas, se fazer a fermentação das uvas separadas por lote de terreno. Esta abordagem permite ao enólogo definir as características típicas associadas a cada lote de terreno da vinícola e, também, obter um vinho com características especiais a partir da mistura de vinhos, mesmo que do mesmo tipo de uva, provenientes de lotes separados.

Maturação em madeira: a maturação é o processo em que o vinho é colocado em barricas de carvalho para que ocorra, por meio de reações químicas, a transferência de características aromáticas e taninos da madeira para o vinho, resultando em aumento significativo na complexidade aromática dos vinhos.

A madeira que se utiliza para a construção destes barris é o carvalho, predominantemente de origem francesa ou americana.

Este processo é comum nos melhores vinhos tintos, mas nos brancos é utilizado, praticamente, apenas para os vinhos da uva Chardonnay.

Há um grande número de fatores que influenciam neste processo, como a origem do barril (que está associada à origem da madeira e processos de produção do barril), a técnica de construção do barril, a idade do barril, o tempo em que o vinho permanece em contato com o barril, etc.

Embora o tempo de maturação em madeira seja muito variável, valores de 12 a 36 meses são típicos para os melhores vinhos tintos.

O barril para maturação do vinho pode ser utilizado por um tempo máximo de 4-5 anos, mas, para os melhores vinhos, utiliza-se normalmente barris novos.

Engarrafamento: processo final em que o vinho é colocado nas garrafas, normalmente realizado por máquinas automáticas.

Embora o processo de fechamento da garrafa mais comum ainda seja a rolha, particularmente para os vinhos de maior qualidade, é cada vez mais comum o uso de screw cap e rolhas artificiais com este objetivo.

Envelhecimento: alguns vinhos passam um tempo guardado na vinícola, envelhecendo nas garrafas, antes de serem comercializados.

Em algumas regiões este tempo é regulado por legislação específica, podendo chegar a alguns anos.

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Com isto terminamos uma breve descrição dos processos necessários para se transformar uva em vinho.

Veja algumas fotos e figuras ilustrativas destes processos em http://picasaweb.google.com/jose.marcos.brito/TransformandoUvaEmVinho.
Abraço a todos,
Brito.

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